Espelho, espelho meu

Imagem e Reputação
A imagem que você vê no espelho não é a que cria sua reputação

Olhe-se com atenção no espelho. Você realmente se vê como os demais te enxergam? Consegue identificar a diferença? Ângulo, volume, iluminação são alguns dos fatores externos determinantes de sua imagem, que nem sempre você próprio consegue alcançar.

Podemos ir adiante. Você acredita que sua imagem reflete sua reputação? A forma como você é identificado (ou identificada) pelas outras pessoas diz tudo sobre quem você é? Por exemplo, quais são seus valores, como você toma decisões, para que time você torce ou qual o sabor de pizza tem sua preferência são questões internas que sua imagem pode não espelhar.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Por aqui temos algumas pistas da diferenciação entre imagem e reputação, que podem ser relevantes no âmbito individual, mas assumem papel crucial quando envolvem marcas, empresas, produtos ou serviços. Mal comparando, já que academicamente os termos podem se confundir, a imagem refletiria seus aspectos externos mais concretos, enquanto a reputação é formada com aspectos mais internos e até mais sutis.

Mesmo a imagem pode ser enganosa. Considerado seu aspecto mais externo e concreto, seria o resultado de uma somatória de percepções palpáveis e resultantes de contato direto, como as mensagens transmitidas por meios de comunicação ou a qualidade do produto ou serviço. Um exercício corporativo interessante é elencar qualidades objetivas que a instituição em foco acredita ter (ou seus produtos e serviços, por exemplo) e confrontá-las com a lista formada por outros públicos, como funcionários, clientes, fornecedores, mercado financeiro, imprensa.

Reputação é o resultado de uma somatória de percepções palpáveis e resultantes de contato direto, como as mensagens transmitidas por meios de comunicação ou a qualidade do produto ou serviço.

Pode ser que deste cruzamento de informações surja algo na linha do velho ditado, por fora bela viola e por dentro pão bolorento (aliás, qual será a origem dessa frase? Quem souber comente, por favor!). É o caso de uma empresa instalada em um prédio maravilhoso, com produtos lindos, assinando mensagens lindas e tocantes mundo afora… Mas, de outro lado, trata mal seus funcionários, atrasa seus pagamentos, às vezes não joga limpo com fornecedores, desmata a Amazônia, usa matérias-primas geradas com uso de mão de obra escravizada e por aí vai.

Nem sempre há como um consumidor ter acesso ao nível de bem-estar dos funcionários, ou ao calendário de pagamentos dos fornecedores. Um fornecedor pode não ter domínio sobre o desmatamento promovido pela empresa. Mesmo indicadores de governança, sustentabilidade e atenção social – a famosa sigla ESG – podem ser maquiados, voluntária ou involuntariamente.

Entretanto, todos estes pequenos atos, agregados, vão compor a reputação. Pois esta é multifacetada, enxergada de várias formas e resulta da somatória de percepções de diferentes públicos afetados pela empresa ou marca. Mesmo invisível a olho nu, elas estarão presentes e passíveis de contaminar diferentes segmentos da sociedade.

Um vizinho da empresa que vê a forma como o lixo é descartado ou um comprador que percebe em uma loja o descaso refletido nas equipes de vendas são elementos pequenos, que se juntarão aos grandes, para formar a tão sutil, mas nem tão intangível, reputação, uma construção coletiva, multifacetada e dinâmica que merece bem mais atenção do que a construção de um belo e idealizado reflexo.

Por isso, o trabalho direcionado a atuar sobre a reputação começa com uma investigação junto a públicos por vezes negligenciados, incluindo desde funcionários a fornecedores e formadores de opinião. O resultado pode ser surpreendente – e nem sempre no mau sentido, já que podem vir à tona tanto ameaças, que devem dar origem a medidas corretivas, quanto oportunidades “escondidas”, que podem se transformar em benefícios reputacionais concretos.

Pessoa jurídica é analfabeta: não sente saudade, não vai ao banheiro

Poema Pessoa JurídicaOK: você já deve ter ouvido isso muitas vezes, comunicação empresarial (e não estou falando de anúncios nas eternas edições especiais caça níqueis que vira e mexe vêm à luz) tem que ser racional, falar de forma seca e direta sobre as especificidades do produto, as muitas certificações que já teve, dimensões, desempenho e tudo quanto é característica. Ou no pioneirismo dos fundadores, com fé e muita visão de futuro.

Pode ser, também que se opte por uma imponente fotografia da fábrica, como se a fábrica estivesse à venda e para saber quanto custa bastaria um contato com a imobiliária mais próxima.

Em outras palavras: comunicação 100% racional, como se do lado de lá, quem recebe a comunicação é um robô e não alguém de carne e osso, que sente saudade e vai ao banheiro, uma pessoa sensível e justamente porque fala, anda, sente, prefere ser tratada como um ser humano.

Insisto: não estou falando de anúncio, embora o que tenha sido dito até agora aplique-se, sem tirar nem pôr, à maioria dos anúncios “técnicos”, “institucionais” ou que nome se dê.

Prestei serviços por muitos anos a uma das mais bem-sucedidas empresas de call center do país. Não há anúncio, sozinho, capaz de convencer um empresário a optar por este ou aquele fornecedor de serviços dessa natureza. Trata-se de um típico problema de garimpar oportunidades no relacionamento dia a dia com clientes e prospects.

Relacionamento de pessoas com pessoas.

Lembrança constante do nome.

Oportunidade contínua para a empresa ser lembrada e chamada preferencialmente cada vez que haja necessidade de emitir um RFP, ou na língua que se fala no Brasil, pedido de proposta.

Uma das coisas que eram feitas (sem exagero, que ai fica demais) era reunir pequenos grupos de executivos para uma degustação de café dirigida por uma simpática barista. Ou uma “aula” sobre sushi. Hora em que prospects e também clientes conversavam descontraidamente, acabavam falando de seus serviços de atendimento, revelavam oportunidades difíceis de serem postas prá fora numa mesa normal de reuniões. 

Na Copa do Mundo (não na última, que foi um desastre!) um grupo seleto de clientes e prospects recebeu um convite para participar de um bolão muito criativo (não apenas resultados) e junto com o convite seguia uma bola de futebol.

Ações desse tipo funcionavam? Sem dúvida!

Eram ações de comunicação empresarial? Claro!

Gerava vendas, que é o que interessa? Sim.

Uma outra empresa, (porque não dizer o complicado nome, Hoechst) nunca teve embaraço para dizer que seu nome era, sim, difícil de ser pronunciado. Em malas diretas, anúncios, folhetos, não apareciam fábricas ou fotografias de azedos cientistas alemães num laboratório e sim uma simpática telefonista bem brasileira de entortava a língua para falar Hoechst e dizia que foi fácil aprender: não tinha levado nem uma mês…

Há exemplos e mais exemplos.

Aqui e em todas as partes.

Mas fique certo quem lê, que alguém vai repetir, daqui a pouco, que comunicação empresarial é coisa séria e não admite liberdades: tem que ser 100% racional.